Albina Genma - Capítulo 6

Samyra desperta com o sol no azul do céu, sentindo ainda o core dolorido, mas muito melhor que no dia anterior. Percebe que quanto mais quieta permanecesse mais rápido se recuperaria.
Percebendo que esta acorda, o guerreiro traz-lhe um prato de comida, deixando-o na mesinha ao lado. Sai do cômodo sério e calado como entrou.

— Parece mesmo que só há um core rubro aqui... — pensa a core azul se alimentando.

Samyra após algum tempo coloca o prato vazio ao seu lado. Lucian aparece para retirá-lo. Sai e logo retorna.

— Como está a sua dor?

A maga de core azul se mantém estática, com a mão sobre sua joia, olhando para o lado contrário onde estava o guerreiro.

— Como sabe sobre...

— A maneira como tenta proteger seu core.

A maga hesita, mas acaba falando.

— Sinto uma ardência constante, mais fraca agora... — diz finalmente Samyra com indiferença ainda com a mão sobre o core azul.

Lucian sai sem dizer uma única palavra, e não demora a retornar com mais uma xícara de chá.


Dias haviam se passado, estes foram muito bem aproveitados pelo general de Carnelian, enquanto se recuperava. Agora voltava a andar, caminhando pela capital. Ele não parecia se importar muito pelo tempo perdido de cama, seu rosto demonstrava uma tranquilidade assustadora para quem havia sido atacado por Vega há poucos dias.


Lilith ouve um estranho som, vindo do lado de fora da casa, no mesmo instante cerra os punhos que carregavam um fragmento vermelho sangue do core que também brilhava em seu colo e se posiciona de um lado da porta, enquanto seu irmão Daren fazia o mesmo do outro lado. Eles se olham e no mesmo instante sabem exatamente o que fazer. Mas antes que seus punhos acertem o desconhecido ele se anuncia.

— Sou eu.

Não muito tempo depois disso, o mesmo desconhecido deixa a casa na periferia de Carnelian, deixando os irmãos Lilith e Daren com uma importante missão a cumprir.


E não muito longe dali, ainda nos domínios dos core rubros, Samyra não continha um sorriso, ao finalmente não sentir mais dor quando acordou.

— Parece melhor.

Era Lucian que mais uma vez se aproximava da maga que tratava há dias.

— Não sinto mais dor — diz a core azul.

O core rubro passa a observar de perto a joia. Ele não encontra sequer uma anormalidade. Samyra age naturalmente.

— Está calma. Não tem mais medo?

— Já percebi que você não é uma ameaça — diz tranquilamente.

O guerreiro se levanta, de certa forma não era algo que ele esperava ouvir. Permaneceu em silêncio por algum tempo, repensando o modo como estava tratando a core azul e de certa forma até se condenando por estar sendo tão "gentil" com uma "inimiga", afinal o fato de ter sido expulso de seu clã não mudava o fato de que foi um mago como ela o responsável por toda a dor e sofrimento de seus pais antes da morte.

— Seu core está completamente recuperado — constatou.

— Então eu já posso andar? — diz Samyra, estranhando a maneira quase rude como ele falava.

— Sim.

A maga começa a se erguer cautelosa, senta-se tomando cuidado para se manter coberta pelos cobertores, enrola-se nos grossos tecidos e começa a caminhar devagar chegando ao próximo aposento, uma sala com poucos móveis. Repara ao lado de uma janela aberta uma porta para sair, caminha até ela, sai e fica parada a admirar a paisagem. Uma vastidão verde com algumas poucas árvores toma seus olhos.
O céu estava majestosamente azul, com poucas nuvens. E uma leve brisa começava a brincar com seus cabelos vermelhos. Samyra olhou para trás para observar a casa em que esteve durante esses dias. Ninguém havia saído para tentar impedi-la de se retirar. Entrou novamente e se dirigiu ao quarto em que ficou, encontrou Lucian remexendo um armário a procura de algo.

— Por que estou aqui?

Não havia mais qualquer tom áspero na voz de Samyra.

— Eu tinha planos para você. Mas agora isso já não tem mais importância.

— Ainda sou uma prisioneira?

— Não — diz o guerreiro com sua voz muito grave — É livre para ir aonde quiser. Se quiser voltar para seu povo a porta está aberta.

Uma certa desconfiança alterou as feições de Samyra.

— Não se preocupe, não é uma armadilha, eu realmente não tenho mais nenhum interesse em mantê-la aqui. Tome, imagino que vá lhe servir — Ele lhe entrega uma roupa feita com um tecido branco e a deixa sozinha.

A core azul observa o que tem em mãos, um vestido de aspecto simples, branco, porém um pouco amarelado pelo tempo, ela abandona os cobertores e se veste. O vestido lhe cai bem, Samyra era pouca coisa mais magra que a dona da roupa. A jovem retorna então para o lado externo da casa e encontra Lucian.

— Existe algum lugar onde eu possa me lavar? — pergunta.

O guerreiro demora alguns segundos até responder.

— Contornando a casa irá encontrar o que precisa.

— Obrigada — diz a maga deixando novamente o interior da casa.

O sol estava mais quente do que de costume aquele dia. O trabalho sob aquele sol, mesmo com uma brisa fresca a soprar, começava a se tornar insuportável para Lucian. Os dias que passara cuidando de Samyra quase sem dormir ou comer direito começavam aos poucos a lhe pesar no organismo e não foi com surpresa que se sentiu um pouco tonto. Deixou seu corpo cair deitado no solo agora limpo do que anos atrás tinha sido uma pequena horta que sua mãe havia cultivado. Observou o sol no alto quando uma nuvem cobriu parcialmente seu brilho. Outras vieram e se uniram a ela enquanto Lucian permanecia deitado no chão com os olhos abertos, aguardando o momento em que a força voltaria ao seu corpo. Mais do que isso aguardando que aquelas nuvens lhe indicassem um rumo. Mais do que nunca se sentia perdido, sozinho, incapaz.
Samyra ainda se banhava quando sentiu as primeiras gotas da chuva caírem. Procurou a toalha e se enrolou com ela correndo para dentro da casa antes que a chuva engrossasse.
"Não posso me descuidar, ainda estou me recuperando!", pensou, ainda encantada com a beleza da chuva, tão rara em Fuscienn.
Deu uma olhada no interior da casa, procurando por Lucian, mas não havia nem sinal do core rubro. Foi quando um grito rompeu a monotonia da chuva. Correu para a janela assustada com a possibilidade de algo ter acontecido a ele, mas o que viu foi perturbador.
Descalço e sem camisa, Lucian golpeava uma árvore com os próprios punhos. De suas mãos grossas gotas de sangue escorriam manchando o casco escuro da árvore, que parecia não se importar com a fúria e o desespero do rapaz.
Foram minutos intermináveis em que Lucian dilacerava suas mãos, talvez para aplacar uma dor que só ele conhecia, até que cansado ele deixou seu corpo cair aos pés da árvore e chorou.
Comovida com a cena, Samyra ficou escondida sob a velha cortina. Sabia que seria uma vergonha para alguém como ele ser visto por um suposto inimigo numa situação de fragilidade como aquela, por isso ficou quieta ali, apenas aguardando que ele decidisse o momento certo de entrar.


A visita de Oringo foi breve e não demorou para que reunisse seus guerreiros mais perigosos, dias depois já estavam todos ali na sala onde antes os três generais de Carnelian decidiam o futuro dos core rubros na guerra.
Oringo olhou orgulhoso para o grupo de guerreiros que havia escolhido. Todos especialistas na arte de se ocultar e surpreender o inimigo. Todos guerreiros preciosos, mas discriminados por seu próprio povo.
O orgulho dos core rubros prezava a luta digna onde os adversários se enfrentavam frente a frente e onde a força era o mérito e a honra estava acima de tudo, pelo menos na teoria. Mas aqueles guerreiros eram diferentes. No peito de cada um brilhava a mesma joia vermelho sangue, bem como em suas armas nada convencionais, mas suas técnicas eram consideradas indignas pelos outros guerreiros de seu clã, por isso dificilmente eram vistos na capital Carnelian.
E esse era exatamente o motivo do orgulho de Oringo, ele soube aproveitar cada um daqueles guerreiros criando um esquadrão secreto, que atacava pelas sombras, guiados por uma estratégia que consistia em terminar a missão não importando os meios.
Mas mesmo entre esses guerreiros considerados sem honra, havia dois que se destacavam, os favoritos do general, Daren e sua bela irmã Lilith, os gêmeos de prata, tão afiados e frios como metal.
Oringo sorria ao imaginar que a essa hora Daren já estaria diante do corpo sem vida de Vega, e que logo sua outra lâmina prateada estaria com a garganta de Oran ao seu alcance. E com certeza ninguém ali era mais indicada para acabar com a vida do líder dos domadores do que sua bela Lilith.